segunda-feira, 14 de julho de 2014

Em Minas, tudo é possível


     Os dois principais candidatos ao governo de Minas, Fernando Pimentel (PT) - na foto à direita - e Pimenta da Veiga (PSDB) - à esquerda - estão tocando o bumbo de forma diferente nesse início de campanha.
     Pimentel, que lidera as pesquisas com uma frente de aproximadamente 10 pontos percentuais, faz o que deve fazer: está mostrando seu cartão de visitas, ou seja, o que fez quando ocupou a Prefeitura de Belo Horizonte. Há obras sociais e de infraestrutura importantes que foram efetivamente realizadas na gestão do petista e outras que foram complementadas pelo seu sucessor, o atual prefeito Márcio Lacerda (PSB).
     Também acerta quando mostra que parte dos projetos e ideias adotadas quando foi prefeito podem ser levadas, de alguma forma, ao interior. E se apega em parte do legado da desgastada presidente Dilma Rousseff (PT), como o projeto Minha Casa, Minha Vida. Ao mostrar o que fez em BH e o que pode fazer em Minas, mantém a campanha com foco no plano estadual.
     Já Pimenta parece ter optado por nacionalizar a campanha. Tem abordado com frequência temas como inflação e outros que, certamente, farão parte do debate da campanha presidencial. A ideia parece ser fazer com que o eleitor associe Pimentel à inflação e à presidente Dilma, colando nele o desgaste que a má fase da economia brasileira vive. É, como diria o ex-governador Hélio Garcia, uma faca de dois legumes. A estratégia tanto pode funcionar como pode passar a imagem que Pimenta não tem ainda, efetivamente, propostas para Minas Gerais.
     Pimenta, aliás, ainda é uma incógnita política. Foi retirado pelo senador Aécio Neves, candidato do PSDB à Presidência, de seu retiro político de quase vinte anos e de sua vida como advogado em Brasília, onde residiu durante todo esse tempo. De Brasília, surgiu em Minas como candidato de Aécio ao governo do Estado. O senador mineiro teria outras opções em seu grupo político, como o próprio governador Alberto Pinto Coelho (PP) e o candidato a vice na chapa de Pimenta, Dinis Pinheiro (PP), campeão de votos no estado. Por que escolheu Pimenta? É aí que a política mineira vira uma chapa quente.
     Da forma como vem conduzindo sua campanha, Pimenta serve mais como uma alavanca para a campanha presidencial de Aécio do que para vencer efetivamente a disputa contra seu adversário. Ao colocar em debate os erros do PT na economia nacional, que está praticamente parada, oferece munição a Aécio, que enfrentará a presidente Dilma Rousseff na disputa pelo Palácio do Planalto. Pimenta nacionalizou a disputa. Pimentel puxa o debate para as questões mineiras.
     É verdade que Pimenta não tem muito o que mostrar aos mineiros. Ficou pouco tempo à frente da Prefeitura de Belo Horizonte, de onde saiu como candidato ao governo de Minas, em 1990. Chegou em terceiro lugar na disputa. Foi deputado e ministro de FHC, mas os mineiros mais novos praticamente não o conhecem, como as pesquisas já mostraram. Mas está deixando de usar sua principal arma: a maioria dos mineiros aprovam a gestão tucana no estado e gostam de morar aqui. Programas como o Caminhos de Minas deram resultados, bem como outros na área social, como o Mães de Minas, e na educação básica. Por que, então, levar o debate para o plano nacional? Seria uma tentativa, neste primeiro momento, de mostrar ao eleitor qual são os campos da situação e da oposição?
     Pimenta não é muito afeito a campanhas desgastantes. Em 1990, seus assessores queixaram-se de que o candidato praticamente havia sumido da campanha por motivos pessoais, desmarcando compromissos previamente assumidos. Atualmente, alguns assessores já se queixam de que ele se recusa a dar entrevistas a rádios e outros veículos de imprensa. Estranho para um candidato que está 10 pontos percentual abaixo de seu oponente. Ou é excesso de confiança no grupo político de Aécio ou há, por trás de tudo, alguma estratégia que até agora não veio à tona.
     Em Minas, tudo é possível. Aécio e Pimentel estiveram juntos, lado a lado, no apoio à eleição do prefeito Márcio Lacerda (PSB), em 2008. Naquele ano, Pimentel era o prefeito e ala mais à esquerda do PT nunca engoliu a aliança com Aécio. Lacerda governou com o PT de Pimentel. O partido fez parte da administração municipal até os 45 minutos do segundo tempo, quando então decidiu descer do barco e lançar a candidatura de Patrus Ananias à PBH en 2012. Patrus foi derrotado no primeiro turno por Lacerda e Aécio e hoje, candidato a deputado, tem acompanhado Pimentel em suas andanças de campanha. Ah: Aécio mantém com Lula uma relação cordial.
    Mas há algo de estranho no ar. Algumas pontas da campanha eleitoral em Minas ainda estão soltas e sem respostas. E, de fato, em Minas tudo é possível.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

A Copa começou!

     O título deste post não se refere, obviamente, à Copa de futebol da Fifa, que terminou de forma vexatória para a seleção brasileira.
     Falo da verdadeira Copa que o Brasil terá de enfrentar de maneira corajosa daqui para frente.
     Há a Copa da economia. Temos de descobrir o esquema tático mais adequado para reduzir a inflação, dar competitividade à indústria nacional e manter a nova classe média viva, já que o dragão inflacionário ameaça devolver, à classe D, 10 milhões de brasileiros que acabaram de chegar à C. Não há muito o que fazer nesse caso: é preciso cortar gastos da máquina pública e coragem para fazer uma reforma tributária que seja capaz de aliviar o setor produtivo e redistribuir, de forma mais justa, o dinheiro da arrecadação de impostos entre estados, município e União. Hoje, praticamente toda a arrecadação é centralizada na União. Temos uma federação de mentirinha.
     Há a Copa da educação. Não basta apenas abrir faculdades e formar profissionais incapazes de lidar, de forma satisfatória, com a rotina diária de seu trabalho. Se não fizermos um pacto para investir na educação de base, em nossas crianças, não chegaremos a lugar algum. Hoje, somos um país de analfabetos funcionais. E temos um exército de oito milhões de pessoas que não têm qualquer chance de chegar ao mercado de trabalho.
     Há a Copa da saúde, que estamos perdendo de goleada. E não é por falta de recursos. É por falta de gestão, planejamento e profissionalismo por parte da esfera pública.
     Há a Copa da infraestrutura, que vem nos aplicando uma goleada maior do que a imposta pelos 7 a 1 da Alemanha. Temos gargalos em rodovias, ferrovias, aeroportos e portos. A questão energética parece uma bomba pronta para explodir. A principal alavanca da economia, que tem sido o agronegócio, sofre dos dois lados. De um, não tem estradas ou portos para exportar o que produz da porteira para dentro. De outro, insumos como energia pesam cada vez mais na horta do produtor.
     Há a Copa da corrupção. Precisamos vencer a cultura que vem do Brasil colonial, de que a corrupção é o único caminho a seguir. Precisamos punir e vencer a corrupção, que rouba bilhões de reais do país todos os anos. No Brasil de séculos atrás, trabalho era desonra. Nobres e filhos de famílias ricas não trabalhavam, ou só trabalhavam depois de formados na Europa. O que temos, na verdade, não é complexo de vira-lata. É complexo de nobreza.
     Enfim, há um país esperando para ser construído. Avançamos alguma coisa nos últimos anos, mas tudo pode ser perder se fizermos, agora, as escolhas erradas na economia, na educação, na infraestrutura.
     Países que durante décadas estiveram bem atrás do Brasil, como Colômbia, castigada durante anos pelo narcotráfico e guerrilha, e México, estão se tornando mais competitivos do que o Brasil. E até o Paraguai - pasmem - foi capaz de criar um sistema tributário simples e eficaz, que está revolucionando o país.  Em breve, o Paraguai deixará de ser sinônimo de produtos importados de baixa qualidade e será um dos destaques da economia sul-americana. A reforma tributária no país vizinho, levada a cabo de forma silenciosa, conseguiu desestimular a sonegação e está atraindo indústrias, inclusive brasileiras, para seu território.
     Teremos duas décadas decisivas à frente. Neste período, ou nos firmaremos no cenário global como uma potência econômica ou cairemos definitivamente no ostracismo e na irrelevância de exportador de commodities.
     Tudo depende das nossas escolhas. As escolhas que a nascente sociedade brasileira, que deu as caras em junho do ano passado, fará daqui para frente.
     Me espanta ainda ver tanta gente, que deveria ser luz para a sociedade, falando em "coxinhas", luta de classes, retrocessos.
     Me espanta ainda ver tanta ignorância, tanta cegueira, tanta idiotice.
     Me espanta ver uma classe política mais interessada no bolso do que no futuro do país. Se o Brasil perder esse bonde da história, não haverá volta. Estaremos condenados a sermos todos "coxinhas" sem recheio.
     O mundo ainda espera que o Brasil ocupe o espaço que lhe cabe na nova ordem econômica mundial. Mas não esperará para sempre. Não existe vácuo. Outras nações, talvez mais inteligentes, ocuparão nosso lugar.
     Essa é a verdadeira Copa do Mundo.


segunda-feira, 7 de julho de 2014

Procura-se Alexandre, o Grande

     Diz a lenda que Alexandre, o Grande, deparou-se um dia com um desafio: desatar o nó inventado por Górdio, e que até então ninguém havia conseguido desfazer. Alexandre analisou o nó.... e, com um simples golpe de espada, rompeu-o (a ilustração ao lado retrata o fato).
     Estamos hoje inebriados pela Copa, mas a economia vai cobrar a fatura com o fim do torneio, seja o Brasil campeão ou não. E há um nó górdio na economia.
     Os brasileiros (pessoa física) estão devendo hoje R$ 1,3 trilhão, segundo dados do Banco Central (BC). Esse valor significa tudo que os brasileiros devem ao sistema financeiro, entre cheque especial, empréstimos consignados, etc. O consignado, aliás, já bateu em R$ 235 bilhões. O nó da economia, portanto, é o nó que está no pescoço dos endividados.
     Olhando os números de forma fria, pode-se dizer que a taxa de endividamento na comparação com o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, de mais de R$ 2 trilhões, ainda não assusta. Mas quem está com a corda no pescoço sabe onde o calo dói. E é sempre bom lembrar que 55 milhões de brasileiros estão com o nome sujo na praça por não conseguirem honrar suas dívidas. Quando empresas acumulam dívidas, o governo lança Refis para ajudar no pagamento. Os consumidores brasileiros, pessoa física, estão precisando de um grande Refis.
     O fato é que o modelo de crescimento impulsionado nos últimos anos por crédito fácil e consumo esgotou-se. Ele foi importante, mas deveria vir acompanhado de outras medidas que foram deixadas de lado. O resultado, todo mundo já sabe: o país está parado. O crescimento econômico desse ano, segundo as previsões mais otimistas, chegará a 1% - ou menos. A indústria automobilística já está demitindo. Outros setores industriais, espremidos por uma carga tributária hexacampeã, também estão parando. O que segura a economia, neste momento, é a agricultura e a exportação de commodities, como minério de ferro e grãos.
     Endividado e com receio de desemprego, o consumidor fica desconfiado e para de comprar. E vê a inflação, domada há 20 anos pelo Plano Real - e ressuscitada agora - , corroer seu salário dia a dia. O remédio é amargo: o BC já jogou os juros em 11% ao ano (taxa Selic) para conter consumo e inflação - e seus diretores dizem que, quanto menos consumo, melhor. É a confissão oficial de que o modelo atual está esgotado. Sem consumo, o comércio se retrai e a indústria, que já está parada, cancela investimentos. Este é, resumidamente, o cenário com o qual os candidatos ao Palácio do Planalto (a presidente Dilma Rousseff (PT), o senador Aécio Neves (PSDB) e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) terão de lidar.
     A campanha está começando agora e ainda não surgiram propostas para desatar o nó górdio da economia. Não se sabe, por exemplo, se a proposta da presidente Dilma é manter o modelo atual ou mudar alguma coisa - se a opção for por mudança, ela já poderia ter começado a fazê-las, já que está na cadeira de presidente e tem a caneta na mão. Aécio fala em repetir o choque de gestão mineiro e reduzir ministérios e gastos da máquina pública, além de reforma tributária. Campos ainda é uma incógnita.
     O que se sabe é que o fim de 2014 e os primeiros meses de 2015 serão particularmente duros. O quadro de incertezas deverá perdurar até lá, bem como a estagnação da economia com inflação em alta - o pior dos mundos. O novo presidente, seja quem for, terá de tomar medidas fortes para desatar o nó górdio da economia. Terá de ser duro com a inflação e com gastos desnecessários, como os quase 40 ministérios atuais, criados para abrigar aliados políticos. Terá de definir a nova política para o salário mínimo e ter vontade política para uma ampla reforma tributária, que dê à indústria nacional condições de competir em pé de igualdade com os concorrentes estrangeiros. Hoje, a indústria brasileira só é competitiva na América do Sul - e, mesmo assim, nosso principal parceiro comercial, a Argentina, está quebrada.
     Precisamos de um Alexandre, o Grande, para desatar esse nó.
  
   

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Aécio busca vice em São Paulo

     O senador Aécio Neves, pré-candidato do PSDB à Presidência da República, anunciou na manhã de hoje que seu vice será o também senador Aloysio Nunes (PSDB), de São Paulo, um nome de confiança de José Serra (PSDB). Será uma chapa puro-sangue, totalmente tucana. É fato que a escolha de Nunes deve-se, em parte, ao fato de que Aécio não conseguiu trazer para seu lado, oficialmente, os partidos que gostaria de ter em sua aliança, como o PP - embora essa legenda esteja literalmente rachada em todo o país. Aqui mesmo, em Minas, o governador Alberto Pinto Coelho, aliado de Aécio, é do PP.
     Mas a escolha de Nunes tem também um forte componente estratégico: traz para Aécio as principais lideranças tucanas de São Paulo, maior colégio eleitoral do país. Dessa forma, o senador mineiro se fortalece nos três grandes colégios eleitorais brasileiros - São Paulo, Minas e Rio, estado onde fará aliança com o governador Pezão, do PMDB - partido que, em plano nacional, apoia a presidente Dilma Rousseff (PT).
Transcrevo, abaixo, post publicado neste blog em 12 de maio, ressaltando as nuances que regem a escolha dos vices.

     "Se Aécio tiver como vice um nome forte e com penetração em São Paulo, trará para si os dois maiores colégios eleitorais do país (São Paulo e Minas Gerais, respectivamente), aumentando suas chances nas eleições. Se o tucano tiver forte votação nesses dois estados, dificilmente deixará de ir ao segundo turno. E terá o PSDB realmente unido em torno de seu nome.
     A estratégia dos vices é vital para as chances de vitória numa eleição presidencial. Usa-se o cargo para atrair um partido ou uma determinada região.
     Tancredo Neves trouxe José Sarney como vice para aplacar os atritos com a ala mais dura dos quartéis. Collor buscou Itamar Franco para ganhar penetração em Minas Gerais e legitimar seu nome no meio político. Fernando Henrique Cardoso buscou seus vices no Nordeste para se fortalecer na região. Lula foi atrás de José Alencar para selar a aliança entre capital e trabalho e se fortalecer em Minas. A presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição, correu atrás de um vice do PMDB para contar com a sigla na base aliada e ganhar tempo precioso na TV. Se fechar com algum político paulista como vice, Aécio poderá desagradar um ou outro partido ou aliado, mas terá um cenário eleitoral favorável.
     Dificilmente o tucano conseguirá grande votação no Nordeste, área dominada pelo Bolsa Família do PT e região do governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB). Já num eventual segundo turno com Dilma, a coisa mudaria de figura. Aécio provavelmente teria o apoio de Campos e, consequentemente, mais votos no Nordeste. No Sul do país, a situação se embaralha. Embora seja mineira de nascimento, a presidente Dilma Rousseff (PT) é gaúcha de história e coração e deverá liderar a votação na região.
    Por isso, Aécio precisa de São Paulo. Precisa dos eleitores de São Paulo. Precisa do PSDB unido em torno de seu nome. E o PSDB, por sua vez, terá nessa eleição uma chance real de vitória, já que a avaliação do governo da presidente Dilma está arranhada. O tucano ainda tem um mês para costurar o nome do vice. Dilma também, mas permanece amarrada no PMDB. E Campos já tem uma vice, Marina Silva. O jogo está interessante."

    Agora, os times estão completos: Nunes é o vice de Aécio, Michel Temer é o de Dilma, e Marina Silva a de Eduardo Campos. O jogo vai começar realmente.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Batalhas

     Há batalhas para todos os gostos na próxima campanha eleitoral, tanto para Presidência da República como para governos estaduais.
     No caso da presidência, a batalha mais feroz será a que a presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição, terá de travar contra o esfriamento da economia.
    Ontem, o Banco Central (BC), autoridade monetária do país, praticamente jogou a toalha na luta contra a inflação.
     O que disse o BC? Que o Brasil crescerá apenas 1,6% este ano, e que a inflação medida pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) - a inflação oficial do país - vai romper o teto da meta (que é de 6,5% ao ano), chegando a 6,6%, mesmo com a taxa Selic (taxa básica de juros do país) em dois dígitos (11%). A meta de inflação não estourava desde 2003.
    Mas o recado do BC foi mais duro. Na verdade, a aposta da autoridade monetária para domar a inflação é que, com juros altos, a economia realmente esfrie - e, aí, os preços cairão. Na avaliação do BC, portanto, o que temos é uma inflação por demanda - ou seja, os preços estão altos porque as pessoas estão comprando muito. O curioso é que foi o próprio governo que estimulou o consumo desenfreado, principalmente ao reduzir impostos de automóveis e eletrodomésticos. "Quanto menos as pessoas consumirem, mais os preços cairão", disse ontem, didaticamente e com todas as letras, o diretor de Política Econômica do BC, Hamilton Araújo. Seria interessante saber o que a presidente Dilma achou de tal comentário em pleno ano eleitoral.
     Temos, então, o seguinte quadro na economia: o governo estimulou o consumo para aquecer a economia, mas não formulou qualquer política industrial. Arrochada por impostos e juros altos, a indústria brasileira perdeu competitividade e não consegue vender nem no mercado interno, que vem sendo abastecido por produtos importados (até aço colombiano já está chegando aqui) e nem no exterior. O resultado foi um rombo externo recorde em maio. Na outra ponta, o consumidor sequer precisava de juros altos para parar de consumir. Ele endividou-se tanto nos últimos anos, estimulado por bancos e políticas oficiais de crédito, que a corda apertou no pescoço. Cinquenta e cinco milhões de brasileiros estão com o nome sujo na praça. E, mesmo com todo o esforço do BC, a inflação continuará alta. Segundo estimativas do próprio BC, se tudo der certo, a inflação estará rodando em 5,1% ao ano em.... 2016. Sim, o PT ressuscitou a inflação, que, por si, representa um arrocho no salário do trabalhador, e deu munição para que o BC tomasse (como tomou) medidas duras e amargas para esfriar uma economia que já estava morna. É o presente, e não o passado, que assusta.
     O que fazer num cenário como esse? Para derrubar a inflação, o principal é cortar gastos da inchada máquina administrativa, com quase 40 ministérios para abrigar partidos aliados. São os gastos do governo, que não param de crescer, que pressionam a inflação. É necessário também dar competitividade à indústria brasileira, principalmente na questão tributária e de infraestrutura. Os empresários brasileiros já cansaram de dizer que não querem privilégios. Querem apenas ter as mesmas condições das indústrias de outros países para competir.
    Por que cargas d'água o aço colombiano está mais competitivo no mercado brasileiro do que o aço produzido no Brasil? Impostos. E porque os impostos no Brasil são tão altos? Para bancar a máquina administrativa. É um nó górdio. A campanha de Dilma terá que dar algumas respostas a esses nós, a todos nós.
     No outro canto do ringue, a oposição terá que convencer o eleitor que tem as respostas de que o país precisa para continuar avançando. Mas não se iludam. Não teremos uma batalha racional entre situação e oposição. Teremos uma batalha profundamente emocional, de pele, de alma, onde que o que há a ser conquistado é o coração do eleitor. Ele, o eleitor, está ansioso por confiança e esperança.
     O cenário nacional terá reflexos diretos em Minas Gerais, terra de um candidato presidencial. Aqui, Pimenta da Veiga, o candidato do grupo de Aécio, tem um trunfo poderoso nas mãos. Seguindo pesquisas realizadas recentemente (e já divulgadas neste blog), mais de 70% dos mineiros gostam de morar em Minas, o que pode ser interpretado como um sinal de aprovação às últimas administrações estaduais. As batalhas de Pimenta serão tornar-se conhecido entre os eleitores, principalmente os mais jovens, que até então nunca haviam ouvido falar em seu nome, e traduzir essa satisfação dos mineiros em votos. Para isso, precisará de todo o apoio do grupo político de Aécio, já que ele mesmo, Pimenta, há anos abandonou a política e o próprio estado, ao fixar residência em Brasília.
     As batalhas de Fernando Pimentel, o candidato do PT, serão outras. Como ex-prefeito de BH e ex-ministro de Dilma, Pimentel é um nome conhecido na maior parte do estado. Está na frente nas pesquisas eleitorais. É um bom administrador, como mostrou em BH. Mas a companheira Dilma deixou de cumprir uma série de promessas feitas aos mineiros, principalmente em obras de infraestrutura. Não há em Minas uma única grande obra que possa ser creditada ao governo federal - ao contrário de outros estados aliados do PT. Isso já está sendo utilizado como uma arma contra o petista nas propagandas eleitorais.
     Pimentel terá também de unir o PT e mobilizar a militância, além de evitar polêmicas públicas como os recentes elogios ao ex-governador Newton Cardoso (PMDB), que sofre de forte rejeição em alguns colégios eleitorais importantes do estado, como Belo Horizonte - elogios que também já estão sendo utilizados contra ele nas propagandas eleitorais. Parece que ainda falta ao petista um bom estrategista político.
     As batalhas estão apenas começando. Muito sangue vai rolar ainda.

Crédito da foto: Os 300 de Esparta, desenho de Frank Miller, editora Abril
   

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Aconteceu de novo

     Aconteceu de novo.
     Foi na segunda-feira, durante o jogo entre Brasil e Camarões, no estádio Mané Garrincha, em Brasília (foto Agência Brasil).
     Após o quarto gol do Brasil (a seleção venceu por 4x1), torcedores presentes no estádio voltaram a xingar a presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição.
     O mesmo xingamento tosco já usado na partida de abertura da Copa, entre Brasil e Croácia.
     Os xingamentos, por piores que sejam, trazem uma lição: a de que a insatisfação com a presidente Dilma não foi amortecida pelos bons resultados da seleção brasileira. De fato, Dilma nunca esteve tão mal avaliada pela população.
     O índice de rejeição da presidente (ou seja, quem não votaria nela de forma alguma), segundo pesquisas já divulgadas, atinge 42%. Nunca antes na história desse país um governante com mais de 40% foi reeleito ou elegeu o sucessor. A intenções de voto na presidente estão oscilando, mas já chegaram a bater em 33%, o que também acende a luz amarela no Planalto.
     Há outra lição aí: a sociedade brasileira, já amadurecida, aprendeu a separar futebol e eleições.
     Na hora da Copa, ela  torce e vibra pelo Brasil.
     Mas não se esquece de que a fatura da Copa vai chegar e que o país da Copa vai mal das pernas quando o negócio é serviço público e economia.
     As últimas notícias da economia não são boas para o país. Não são boas para nenhum brasileiro.
     Dados divulgados ontem mostram que saldo líquido de vagas de trabalho com carteira assinada em maio é o pior resultado para o mês nos últimos 22 anos. A anemia da indústria brasileira é a principal responsável pelo resultado. O saldo (58,8 vagas) é quase 20% menor do que maio de 2013 (e em ano de Copa do Mundo). A indústria de transformação apresentou saldo negativo de 22.533 postos de trabalho.
     Tudo isso é reflexo de uma política econômica errática, que privilegiou o consumo mas se esqueceu de fortalecer quem garante o consumo: a indústria nacional, sufocada por impostos e burocracia.
     Sem competitividade, a indústria brasileira viu a ânsia de consumo dos brasileiros ser atendida por produtos importados. Resultado: rombo recorde nas contas externas de praticamente R$ 13 bilhões, o pior para o mês de maio desde 1980.
     Sem competitividade, a indústria nacional está demitindo e afetando os dados de emprego no país. O pior é que estão justamente na indústria os empregos mais qualificados, com melhores salários.
     Com a indústria demitindo, o consumidor freia as compras. O comércio também sofre. A economia para. O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve crescer apenas 1% este ano, segundo estimativas do mercado.
     A inflação continua alta, correndo o poder de compra do trabalhador. Os juros continuam altos, afastando ainda mais o consumidor das lojas.
     Tudo isso gera desconfiança em consumidores, empresários e investidores. Ninguém sabe o que virá aí. Ninguém sabe como 2014 terminará e 2015 começará. Na dúvida, todos se recolhem.
     Os ufanistas, ou mal informados, ou apenas os apaixonados pela presidente, dizem que tais análises são de pessimistas e não se sustentam. Que o novo saque que o governo planeja fazer nas contas da Petrobras é normal. Que a Copa é um sucesso e  tudo vai bem. Que temos complexo de vira-lata. Ok, a Copa vai bem, mas não consegue mais fazer maquiagem na economia. Como disse, o brasileiro, aparentemente, aprendeu a separar pão e circo. Na hora do circo, circo. Na hora do pão, o bicho pega.
     Os números falam por si. São números oficiais, do governo. O crescimento pífio do país esses ano já é admitido inclusive pelo austero Banco Central (BC). A economia estagnada não é fruto dos pessimistas de plantão. Claro, haverá sempre quem queira levar a coisa para esse lado. Mas paixão é paixão. E razão é razão.
    Se a torcida xinga dentro do campo, é porque aqui fora o jogo não está tão bom.
    O pior cego não é aquele que não ver ver. É aquele que vê e finge que nada vê.
   
   

terça-feira, 24 de junho de 2014

Onde está Pimenta (2)

     Ontem, postei aqui que o pré-candidato do PSDB ao governo do Estado, Pimenta da Veiga, havia tomado um chá de sumiço. Não compareceu a nenhum evento político nos últimos dias, nem mesmo os que tiveram a participação de seu mentor, o senador Aécio Neves (PSDB), candidato à Presidência da República. Por isso, deixei a pergunta no ar: onde está Pimenta?
     Hoje, o jornalista Orion Teixeira, um dos experts em política mineira, respondeu à pergunta em sua coluna diária no jornal Hoje em Dia: Pimenta está em São Paulo, fazendo curso de oratória e posicionamento diante de câmeras para melhor enfrentar a campanha.
    Taí a resposta.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Onde está Pimenta?

     O pré-candidato do PSDB ao governo de Minas, Pimenta da Veiga, sumiu da mídia nas últimas semanas.
     No sentido inverso, seu principal adversário, Fernando Pimentel (PT), tem cumprido uma agitada agenda de candidato pelo interior do estado.
     A última pesquisa divulgada para as eleições estaduais mostrava Pimentel com aproximadamente 10 pontos percentuais de vantagem sobre Pimenta. Isso significa que o sumiço de Pimenta não é bom para o PSDB.
     Estratégia? Difícil de dizer. Se for, não é das mais espertas. Pimenta precisa ser lembrado como candidato, já que ficou 10 anos afastado da política e seu nome não é conhecido entre o eleitorado jovem. Precisa aparecer, criar fatos, mostrar que não é apenas mais um poste criado pelo seu mentor, o senador Aécio Neves (PSDB) candidato à presidência da República.
     É certo que Pimenta tem um grupo político forte para apoiá-lo. Tem o próprio Aécio, tem um vice é que campeão de votos no estado (Dinis Pinheiro), tem Anastasia. Mas Aécio está preocupado, nesse momento, em costurar sua própria aliança política para a disputa do Planalto. Anastasia está preocupado em alinhavar o plano de governo de Aécio. E Pimenta, onde está?
     É certo também que estamos na Copa do Mundo e as eleições ainda não estão no radar do eleitor. Um quarto da população brasileira não está preocupada com eleição. Mas isso significa que três quartos já pensam nas urnas como principal agenda pós-Copa. Pimentel poderia dar-se ao luxo de "sumir" agora. Pimenta, não.
     Pimentel tem brilho próprio como candidato. Como ex-prefeito recente de Belo Horizonte, é bem avaliado na região metropolitana da capital. Nunca se afastou da política e foi ministro da presidente Dilma Rousseff (PT).
     Pimenta, ao contrário, precisa convencer de que deseja mesmo ser candidato.
     Aécio foi buscá-lo para isso. Retirou-o da tranquila vida de advogado em Brasília para jogá-lo no calor da disputa eleitoral.
     Mas Pimenta não tem brilho próprio. Pelo menos, não o suficiente para vencer sozinho a eleição.
     Precisa de seu grupo forte e unido em torno de seu nome.
     Precisa mostrar o que é e a que veio.
     Precisa mostrar que não é só um poste. Ou que, pelo menos, é um poste onde brilha uma lâmpada, e não um poste apagado.
     Onde está Pimenta?
     Só para lembrar: o governador Alberto Pinto Coelho (PP) ainda tem mantido uma agenda praticamente de candidato. É do grupo de Aécio e sabe articular.
     Só para lembrar.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Transformações

     O Brasil é um país em franca transformação.
     Esgotaram-se modelos antigos, que vigoraram desde 1.500 até agora.
     Não tivemos, aqui, a guerra civil que outras nações enfrentaram e marcaram, com sangue, a sociedade que dali surgiria.
     Mas as transformações são inevitáveis.
     Chegou a nossa hora.
     Aqui e ali ainda vigoram ranços de coronelismo e da casa grande e senzala. Mas a sociedade brasileira tem se mostrado maior do que isso.
     Por isso, soa triste ouvir um líder como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva evocar luta de classes com interesses eleitoreiros. Lula ainda é uma voz importante no país. Suas palavras ainda encontram ouvidos, embora cada vez menos. Ao invocar luta de classe, Lula se diminui perante a história e mostra que sua veia eleitoreira é mais forte do que o papel de estadista que poderia preservar.
     Mas cada um se mostra como é. Lula é fruto do sindicalismo da década de 1980, quando liderou greves de trabalhadores contra montadoras de automóveis, desafiando a ditadura militar. As greves lideradas por Lula foram fundamentais para enfraquecer a ditadura, abrindo caminho para a democracia.
     O problema é que o DNA sindicalista e o projeto de poder de Lula são fortes demais em Luiz Inácio Lula da Silva. E não dão mostras de que vão ceder. Lula ainda vê, quando lhe convém, um país dividido entre operários e patrões, embora, para sua própria campanha presidencial, tenha chamado o patrão (o empresário mineiro José Alencar) para compor sua chapa como vice.
     Amadurecimento? Não. Pragmatismo político para atrair capital e acalmar mercados. Deu certo. Lula acalmou o capital com escolhas certas e alçou, no seu governo, 40 milhões de pessoas para o mercado de consumo. Bancos ganharam muito dinheiro emprestando grana para esse pessoal. É o jogo. E Lula jogou-o bem, sem se preocupar com luta de classes. Aliás, os donos do capital e boa parte do coronelismo político brasileiros foram aliados de Lula, assim como são da presidente Dilma. Há uma infinidade de "coxinhas" no Planalto. Algumas bem indigestas.
     Mas o país está mudando. Alguma coisa está acontecendo. Uma luz foi acesa. Não se sabe ainda quem acendeu e o que a luz vai mostrar. Mas ela está acesa.
     Se não fosse a campanha eleitoral, soaria quase como estupidez querer dividir o Brasil entre "elite branca", ou "coxinhas", e o resto. Sim, a presidente da República foi xingada numa partida de futebol. Dizem (eu não estava lá) que as vaias partiram da ala vip, ou seja, da "elite branca". Mas Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES, todos órgãos controlados pelo governo, gastaram R$ 9 milhões comprando ingressos da Copa para dar a seus clientes vips - ou seja, para a "elite branca". É possível que parte das vaias tenha partido dessa turma generosamente agraciada pelo... governo.
     Foi o que bastou para que o ex-presidente colocasse o discurso de classes novamente no debate eleitoral. Colocasse de novo a divisão entre heróis e bandidos. Entre "nós" e "eles". Mas quem são os bandidos? "Quem são os heróis? Quem são os "nós"? Quem são os "eles"? Quem é a "elite branca"? É a mesma que participou do governo Lula e participa do governo Dilma? Quem são os "coxinhas"? A ministra de Cultura de Dilma, Marta Suplicy, é uma legítima representante da "elite branca", segundo a definição de Lula. Assim como o ex-marido dela, Eduardo Suplicy. Ambos são do PT. Seriam eles "coxinhas"? Michel Temer, vice-presidente da República e advogado de elite que manda no PMDB, é "coxinha"? Seria Sarney, aliado do PT, uma "coxinha"? Ou Collor? Ou Maluf?
     Não. O que está acontecendo no Brasil está muitos degraus acima disso. E é bem mais sério.
     O Brasil passa por uma transformação que vai muito além da luta de classes.
     Uma transformação que transcende "coxinhas" e o "nós" e "eles".
     Há uma massa enorme de pessoas insatisfeitas com o que o Brasil foi até hoje, 2014.
     A classe média, engordada no governo Lula, está asfixiada por dívidas, impostos, inflação.
     Não há uma crise política ou econômica grave à vista, nem estamos à beira do abismo.
     Mas há uma ebulição social que solta vapor por todos os lados. Às vezes, o vapor queima a pele.
     Há um esgotamento com fórmulas e palavras soltas abundantemente usados até hoje.
     Estamos tendo o privilégio de assistir uma transformação social autêntica.
     Uma transformação sem donos e sem líderes.
     Estamos vendo um país em busca de sua identidade, a identidade que carregará daqui em diante.
     Um país em busca do encontro e da reconciliação consigo mesmo, e não em busca de ódio ou revanchismo.
     Um país cheio de cidadãos que só querem viver num país limpo e honesto. Querem esperança.
     Como estamos em ano eleitoral, cabe aos candidatos à Presidência da República por o pé na rua e captar o que está acontecendo. Abrir os ouvidos. Escutar. Pensar. Conversar. E, principalmente, evitar gestos inúteis. O próximo presidente terá que saber como lidar com essa transformação e conduzi-la na direção do que a maioria da população realmente deseja. E o que ela quer? Ora, ela tem falado, nas ruas, claramente o que deseja.
     O passado é importante como lição, mas o que está em jogo agora é o futuro.
     Vozes que tentam nos jogar no passado podem acabar dando bom dia a cavalo.
     O Brasil já viveu seu passado. Os brasileiros querem agora saber como vão viver o presente e o futuro.
     São essas as respostas que candidatos precisam responder.
     A luz foi acesa - e quem ninguém se atreva a dizer que foi o responsável pela luz.
     A luz foi acesa pela sociedade, pelo cansaço, pelo desejo real de mudanças, pela vontade de virar a página de uma nação que já perdeu quase todos os bondes da história e não pode se dar ao luxo de perder mais um. A luz não foi acesa pela luta de classes, nem pelo ódio, nem por palavras rancorosas.
     Quem tem ouvidos, que ouça a voz das ruas.
     O que está acontecendo aqui não é apenas uma eleição presidencial. Os xingamentos à presidente Dilma estão inseridos num contexto muito maior. Condená-los ou achar que fazem parte da vida é uma questão menor, diante do tamanho da mudança que está nascendo neste país.
     O dono do Brasil são os brasileiros. Todos eles.  
     Como diria Bob Dylan, os tempos... ah, meu amigo, eles, os tempos, eles estão mudando.
   

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Asfixia

     Há um motivo pouco falado quando se observa a atual estagnação da economia brasileira.
     Como se sabe, o modelo econômico adotado nos últimos anos privilegiou o consumo, através da concessão de crédito fácil (e algumas invenções brasileiras, como o crédito consignado), programas sociais e aumentos reais do salário mínimo.
     O brasileiro adorou. Entupiu-se de crédito e foi às compras. Mas não existe almoço grátis. Com a volta da inflação, perdeu poder de compra. E, com os juros altos e o fim da alta do emprego, as prestações não couberam mais no salário. Resultado: hoje existem 55 milhões de brasileiros com o nome sujo no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). É um quarto da população. E parte da nova classe média está prestes a virar classe D novamente. Por isso (e outros motivos estruturais), a economia está parada.
     Essa é a parte conhecida.
     O que pouca gente fala é nas armadilhas criadas pelas mãos nada generosas de quem concede crédito: os bancos.
     Com o fim da inflação, possível graças ao Plano Real do presidente Itamar Franco, os bancos pararam de ganhar dinheiro fácil. Antes, bastava deixar a grana sossegada no mercado financeiro, que rendia juros astronômicos da noite para o dia - o tal do overnight. O fim da inflação foi o fim da farra. Os bancos tinham de descobrir outro jeito fácil de ganhar dinheiro. Acharam: o crédito à uma parte da população que nunca havia tido crédito.
     Ok, em qualquer lugar do mundo bancos ganham dinheiro com crédito. E qualquer país que queira crescer de forma inclusiva precisa bancarizar a população.
     Mas, no Brasil, abusaram da malandragem. Criaram uma teia maligna e perversa para os devedores. Incautos e com pouco conhecimento do mundo do crédito, muitos caíram na teia, ou na forca, e estão lá até hoje.
     Há exemplos clássicos. Compre um carro em 60 parcelas. E, se conseguir juntar dinheiro, tente pagar tudo de uma vez, com desconto, sem os juros cobrados pelo banco pelo tempo de empréstimo. Você não vai conseguir. Os bancos não aceitam.
     Faça um empréstimo imobiliário e, quando juntar dinheiro, tente pagar o saldo devedor com desconto, sem os juros. Você também não vai conseguir. Eles, os donos do dinheiro, não aceitam. Por quê? Porque perderiam os juros, que é onde ganham dinheiro. Muito dinheiro. Nunca antes na história desse país os bancos ganharam tanto dinheiro, mesmo com a crise internacional de 2008.
     Faça um empréstimo pessoa física e depois siga o mesmo procedimento: tente pagar de uma vez, sem os juros, tiver juntado grana suficiente para isso. De novo, você não vai conseguir. Porque eles não vão aceitar.
     Não são poucos os casos onde empréstimos para pessoa física são renovados ou aumentados via telefone, pelo seu gerente ou alguém de menor patente. O brasileiro aceita. Renova um empréstimo bancário na base da palavra. Não assina sequer um papel, o que torna o empréstimo, no mínimo, ilegal. Mas fica por isso mesmo. Ah. Alguns bancos estatais, do Brasil, são mestres nesse tipo de operação. Aliás, a palavra certa não é operação. É cilada.
     O caso do crédito consignado seria motivo de prisão em qualquer país sério.
     Sim, há bancos sérios atuando no setor. Minas tem bons exemplos. Não dá para generalizar. Mas também tem muito picareta.
     Entenda-se por picareta agentes bancários que ligam para você e oferecem a parte boa da cilada, que é o dinheiro. Mas não falam da parte da cilada que é a cilada: você nunca mais vai conseguir pagar o tal crédito, porque esses picaretas o renovam automaticamente, sem sua autorização. E ainda te oferecem mais. É como oferecer crack a viciados.
     Já tem gente dando crédito para os negativados, que vão ficar mais negativados ainda.
     Tem bandido oferecendo crédito nos jornais, todos os dias. Trata-se de golpe criminoso, mas ninguém faz nada.
     O Banco Central (BC) controla de perto a saúde dos bancos brasileiros. Há diversos mecanismos para isso. Essa é outra razão pela qual a crise de 2008 praticamente não afetou os bancos brasileiros. Eles estão vendendo saúde - às suas custas.
     Talvez, durante a campanha presidencial, alguém tenha a boa ideia de pensar no pobre bolso do brasileiro e propor uma regulamentação rígida para concessão de crédito. Uma regulamentação que permita ao devedor quitar sua dívida sem juros quando quiser. Que puna quem renovar crédito sem a assinatura do devedor. Que controle as taxas de juros indecentes cobradas pelos bancos. Que coloque na cadeia quem abusar da boa-fé do brasileiro. Mas aí já é pedir demais. Ok, esqueça essa última parte e voltemos ao Brasil real.
     O BC controla a saúde dos bancos. Precisamos agora de quem controle a saúde dos brasileiros endividados pelos bancos, que estão morrendo por asfixia, com a corda no pescoço.O próprio BC poderia cumprir esse papel, mas não há interesse político. Nenhum governo, mesmo os que se dizem socialistas, gostam de cutucar banqueiro.
     Ao pobre consumidor enforcado, resta a Justiça.
     Enquanto o brasileiro não se acostumar com o crédito, continuará na forca. Enquanto não souber de seus direitos, continuará asfixiado. Enquanto não houver uma regulamentação mais rígida a favor do tomador de crédito, a farra dos bancos vai continuar. Até que todo seu - sim, o seu - sangue tenha se exaurido ralo abaixo.
     Aí, os pobres bancos terão que achar outra maneira de ganhar dinheiro fácil.
     Mas não se preocupe.
     Eles encontrarão.
    Salve, Nossa Senhora dos Enforcados.
     

sábado, 14 de junho de 2014

Quem tem olhos, que veja.

     Vejo pessoas xingando uma presidente.
     Vejo uma turba enraivecida nas ruas.
     Vejo uma turba tola xingando quem xinga.
     Vejo quem deveria acender a luz perdido nas trevas.
     Vejo uma elite encastelada em palácios governamentais xingando uma elite branca.
     Vejo máscaras.
     Vejo bombas.
     Vejo discursos tolos de quem deveria iluminar caminhos.
     Vejo cientistas políticos em campanhas abertas contra pessoas, esquecendo que a vaidade não é boa conselheira para cientistas que se dizem cientistas.
     Vejo linchamentos.
     Vejo omissão.
     Vejo companheiros protegendo companheiros como se essa nação pertencesse a companheiros.
     Vejo uma elite encastelada em condomínios luxuosos, com medo do que acontece fora de seus castelos medievais.
     Vejo roubo, corrupção, ladrões.
     Vejo a vida banal.
     Vejo futilidade, tolices, vaidades ensandecidas pela mídia rápida e momentânea.
     Vejo ausência de inteligência.
     Vejo gente dando pitaco sobre tudo como se tudo tivesse uma importância transcendental.
     Vejo gente que se omite.
     Vejo gente morta andando em festas chiques.
     Vejo, principalmente, gente tentando viver e sobreviver.
     Tudo que vejo, na verdade, é o nascimento real de uma nação.
     Quinhentos anos depois, o Brasil está desperto.
     Quinhentos anos depois, o Brasil quer achar sua cara.
     Não há heróis, muito menos super heróis.
     Há muitos bandidos, como em todos os lugares.
     Há tolos, vaidosos, omissos, cegos, surdos, mancos, pardos, negros, brancos.
     Há gente.
     Há um país nascendo.
     E todo parto tem sua dor.
     

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Cascas de banana

     Cascas de bananas em campanhas políticas são inevitáveis. Às vezes, os adversários jogam. Outras vezes, o próprio candidato joga - e pisa.
     O pronunciamento da presidente Dilma Rousseff (PT) que foi ao ar ontem (terça, 10) é uma casca grossa de banana. Dilma, candidata à reeleição pelo PT, passou a impressão de não saber a realidade do país onde vive. O Brasil da Copa mostrado por ela não é o Brasil que as pessoas veem nas ruas.
     Não dá para tampar o sol com peneira. Falar que o legado da Copa são as obras que o país recebeu é brincar com a paciência de um povo que já anda sem paciência. Dizer que os aeroportos estão prontos é apostar na alienação total da população. O aeroporto de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, cujas promessas de obras duram anos, não está pronto. Apenas metade das obras foi concluída. A outra metade...sabe-se lá quando ficará pronta. Se ficar.
     O trem-bala prometido por Dilma ficou na promessa. Não ocorreram investimentos significativos na segurança, saúde e educação básica. Nem em infraestrutura viária, marítima ou aeroviária. Ainda em Minas, continuamos sem metrô, Anel Rodoviário e duplicação da BR-381. A capital, Belo Horizonte, ganhou um BRT que ainda se move a meia-boca.
     A Copa deixou estádios que depois fatalmente virarão elefantes brancos (como os de Manaus, Cuiabá e Brasília). A presidente disse que, se houve irregularidades nas contas, os responsáveis serão punidos. Seria um atestado de que realmente houve irregularidade? E será mesmo que a presidente acredita que uma população já descrente, que sai às ruas todos os dias para trabalhar e enfrenta a péssima qualidade dos transportes públicos, acredita no que foi ao ar em seu pronunciamento? Casca de banana, presidente. O ufanismo não ajuda quando se tem uma população estrangulada por dívidas, inadimplência, hospitais que não atendem, segurança que não protege. Melhor teria sido um pronunciamento pé no chão, com mais humildade, dizendo que o país fez o melhor, que enfrentou dificuldades com as obras, mas que a Copa está aí.
     Humildade (não confunda com sentimento de derrota ou subserviência) é palavra-chave em campanha eleitoral. E, nesse quesito, o senador Aécio Neves (PSDB), principal candidato da oposição, também deu uma escorregadela numa casca de banana ao mandar a presidente Dilma se aposentar, durante o evento que homologou a candidatura de Pimenta da Veiga (PSDB) ao governo do estado, realizado também ontem. Aécio aposta na perda de prestígio de Dilma e a queda de popularidade da presidente nas pesquisas, mas é preciso cuidado com as palavras. De uma forma geral, o eleitor não gosta de bravatas e ataques gratuitos. Há uma parcela significativa do eleitorado que ainda está indecisa. Bravatas como essas não ajudam muito nessa hora. Desagradam quem está indeciso. Alguns eleitores classificariam a frase como "arrogante".
     Outra casca de banana tem aparecido nas manchetes de jornais. A imprensa faz barulho para dizer que o mercado financeiro sobe sempre que alguma pesquisa mostra queda do prestígio de Dilma. Se a presidente tiver um bom marqueteiro, pode usar isso para dizer que, se ela desagrada aos mercados, é porque seu partido tem o foco no social. Pode se apoderar da bandeira do social, que Aécio tem lutado para trazer para seu lado.
     Enfim, coisas de campanha política.
     Os candidatos têm problemas maiores para se preocupar. Dilma viu o PMDB sair rachado da convenção em que decidiu apoiá-la. O Brasil viu, assustado, Michel Temer dizer na TV, durante a convenção, que o PMDB não é um simples aliado do PT, mas sim o próprio poder. Um bom marqueteiro também poderia usar a frase para questionar quem, afinal, dá as cartas no governo. O PT? Dilma? Ou o PMDB de Temer?
    É aquela história: em campanha, como na vida, é preciso ouvir, aprender, apreender, planejar, executar e, acima de tudo, ter os nervos sob controle e evitar as cascas de banana. Elas estão aí, prontas para quem quiser pisar.
     Volto a lembrar uma frase que era repetida à exaustão pelo ex-governador Hélio Garcia: em política, não há lugar para gestos inúteis.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

É o bolso, Lula!

     O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) perguntou recentemente qual seria o motivo de o crédito do país estar travado, já que não existe inflação de demanda. Com o crédito travado, o consumidor compra menos e o país quase não cresce. É ruim para a economia. E o que é ruim para a economia é ruim para candidatos da situação - ou, no caso, a presidente Dilma Rousseff, candidata de Lula e do PT à reeleição.
      A resposta à pergunta de Lula é relativamente simples. É o bolso, Lula. O bolso do cidadão. O bolso do brasileiro tem menos dinheiro.
     Crédito é bom, mas é apenas um dos pilares para o bom funcionamento da economia. Há outros pilares igualmente fundamentais, como controle da inflação, gastos governamentais sob controle, juros racionais, uma indústria competitiva, que consegue vender, exportar e gerar empregos qualificados, uma agropecuária vigorosa e um setor de serviços e comércio ativo.
     Um raio-X do bolso do brasileiro agora mostra que ele está sem crédito e sem confiança na economia. A inadimplência (ou, em português curto e grosso, o calote), subiu 9,56% em maio na comparação com o mesmo mês de 2013, segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Na comparação com abril deste ano, o calote subiu 1,38%. Segundo o SPC, 55 milhões de brasileiros estão negativados. Ou seja, um quarto da população brasileira está negativada e não pode tomar crédito. Cara, é um número alto demais. Como chegamos a isso?
     É o bê-a-bá da economia: não existe almoço grátis. Se alguém almoçou de graça, é porquê algum otário pagou a conta. Os brasileiros se entupiram de crédito bancário, crédito consignado, crédito para comprar carro. A conta chegou.
     A situação seria menos dolorosa se a economia tivesse sido bem gerida nos últimos quatro anos. Não foi. A inflação está de volta e pode estourar o teto máximo esse ano, de 6,5%. Inflação alta significa corrosão no salário do trabalhador. O dinheiro que ele tem no bolso passa a valer menos sem que ele tenha gasto um único centavo. Com poder de compra menor, ele não consegue pagar as contas em dia. Se ele não paga as contas, a inadimplência sobe. Se a a inadimplência sobe, os bancos ficam mais restritivos na hora de conceder crédito. Com menos crédito, o consumidor consome menos. Com menos consumo, indústria e comércio vendem menos. Com vendas em baixa, aparece o desemprego, como já está aparecendo na indústria de bens de capital e de automóveis. E a economia vai parando. Lógica pura. Sem mágica, sem almoço grátis. É o bolso, presidente Lula.
     Junte-se uma situação econômica cheia de incertezas com a insatisfação da população com os serviços públicos. O resultado é a má avaliação do governo da presidente Dilma Rousseff, como acaba de ser registrado em pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha. No jogo entre Brasil e Sérvia, realizado ontem (domingo), parte dos torcedores gritava "Fora Dilma". A presidente consegue reverter tal quadro?
     Sim, desde que saiba ouvir a população, fazer a leitura correta do que está acontecendo e agir. Mas a presidente Dilma tem mostrado uma certa dificuldade em agir em cenários de dificuldades. Falta-lhe assessores de primeira grandeza. Falta-lhe um bom ministro da Fazenda, que tenha pelo menos credibilidade junto ao mercado. Falta-lhe um bom interlocutor com a classe política e com a sociedade.
     Dilma está paralisada. Limita-se a percorrer o país, entregar tratores a prefeitos e falar de obras que não saíram do papel, como o Anel Rodoviário, a duplicação da Rodovia da Morte, o eterno metrô de BH, a transposição do rio São Francisco, as obras de mobilidade urbana para a Copa, os aeroportos que nem puxadinho terão. A seu lado - e apenas no plano federal - apenas o PMDB de Michel Temer. E que não se espere lealdade do PMDB. O PMDB é leal apenas ao poder.
     Em contrapartida, o principal candidato das oposições, o senador Aécio Neves (PSDB) é mestre na arte de negociar. Fez o mestrado com seu avô, Tancredo Neves, que conseguiu a proeza de derrotar Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, antes das eleições diretas para presidente, ainda no tempo do governo militar. Por ironia, na eleição que fez de Tancredo, que era oposicionista, presidente do Brasil, o PT negou-se a votar no mineiro, por não tratar-se um uma eleição com participação popular. E, mais ironia ainda, Maluf hoje é aliado do PT.
     Aécio tem negociado. A base de apoio do candidato do PSDB ao governo de Minas, Pimenta da Veiga, tem cerca de duas dezenas de partidos. A própria base de apoio de Aécio para sua candidatura presidencial vai, aos poucos, alargando-se. O tucano é líder disparado nas pesquisas em Minas. Tem o apoio do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e da base do partido naquele estado, que é o maior colégio eleitoral do país (Minas é o segundo). E está trazendo, para seu campo, o governador do Rio de Janeiro, Pezão, do PMDB.
     Nas pesquisas, Dilma ainda tem o dobro das intenções de voto de Aécio. Mas tem enfrentado uma queda gradativa, fruto direto da insatisfação do eleitor. Nas eleições anteriores, o PT enfrentou candidatos que não tinham vocação para negociar, como Serra e Alckmin. Agora, enfrenta uma raposa política mineira.
     A queda de Dilma pode ser revertida. O país vai parar para a Copa do Mundo. Dilma deve estar preparada para o que vier daí. Terá que dar respostas rápidas e precisas para o eleitor (coisa que ainda não conseguiu fazer).
     Terá que anunciar medidas de alívio para o bolso do consumidor, e que afetem positivamente sua vida. Não adianta apenas flexibilizar as condições de crédito. Negativado, o consumidor não poderá fazer novos empréstimos mesmo que queira (e parece que ele não quer). A presidente terá que ser dura com a inflação e, simultaneamente, anunciar pacotes que facilitem a negociação de dívidas pendentes do consumidor com bancos, crédito consignado, crédito imobiliário. Estamos falando da vida de um quarto da população brasileira.
     Não é bom negócio para o governo quando eleitores com a corda no pescoço vão às urnas. É o bolso, presidente Lula.
     
   

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Brisa, bolha e aço colombiano

     Soou como uma brisa, ou música, para o mercado imobiliário, o lançamento na terça-feira (dia 3 de junho) da C-Sul. Trata-se de um empreendimento urbanístico a ser desenvolvido na região da Lagoa dos Ingleses, em Nova Lima e Itabirito, assinado pelo arquiteto e urbanista Jaime Lerner (na foto, de preto, com o grupo de empreendedores), ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná.
     O motivo de o lançamento ter soado como brisa deve-se ao fato de ser um empreendimento milionário e envolver empresas e investidores de porte, num momento em que o mercado imobiliário brasileiro vive uma maré de incertezas. A concepção é grandiosa: o C-Sul é um projeto urbanístico a ser desenvolvido numa área de 27 milhões de metros quadrados, adquirida por R$ 315 milhões, dentro do conceito de "morar, trabalhar e se divertir num só lugar", em voga no Primeiro Mundo. Participam do projeto o Grupo Asamar (dono a Ale), Alicerce Empreendimentos, BVEP (braço imobiliário do Grupo Votorantim), MINDT e AGHC Participações. A inauguração deve ocorrer em 2016 e já há um empreendimento confirmado: o Shopping Premium, do Iguatemi.
     Em Belo Horizonte, a Direcional também se prepara para lançar empreendimento do mesmo gênero, também assinado por Lerner, mas direcionado à classe econômica.
     São movimentos que animam um mercado praticamente parado. O estoque de imóveis novos está alto e muitas construtoras e investidores estão ficando sem capital de giro. Há quem aposte que pelo menos um grande player do setor fechará as portas até o fim do ano.
     E há uma bolha localizada: há seis ou sete anos atrás, quando o mercado imobiliário estava altamente aquecido e havia se transformado num negócio de rentabilidade atrativa, investidores de porte aplicaram pequenas fortunas no setor, construindo lojas e galpões para locação. Hoje, com o mercado parado, os galpões permanecem vazios e esses investidores, que sonharam em ganhar dinheiro com aluguéis, estão descapitalizados. Basta um giro por Belo Horizonte e Contagem para descobrir centenas de imóveis - destinados à locação - fechados. Em Contagem, estima-se que existam mais de 300 galpões desocupados. Como não há perspectivas de um aquecimento da economia este ano, o cenário de incerteza permanece.
    As distorções da economia brasileira estão afetando inclusive a indústria que trabalha com foco na construção civil. Em Minas, a Gerdau Açominas enfrenta a concorrência pesada do aço colombiano, fortemente subsidiado pelo governo daquele país. Se antes era o aço chinês que incomodava, agora até o produto feito na Colômbia consegue entrar no mercado brasileiro a preços competitivos. Ouro Branco, município que sedia a unidade industrial da empresa, já sentiu os efeitos da concorrência.
     É nesse cenário incômodo que o lançamento da C-Sul trouxe boas expectativas. A conferir.
     Em tempo (e agora fora do mercado imobiliário): a unidade da Oi que opera com telefonia fixa também enfrenta dificuldades de mercado, principalmente pela obrigatoriedade de manter orelhões nos mais distantes rincões do estado.
     O Brasil de 2014, que vai dançar em ritmo de Copa, manifestações e eleições, continua em compasso de espera.
       
   

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Falso dilema

     Há um falso dilema na política brasileira. Quase coisa de amador. Mas bem manipulado por políticos profissionais.
     Colocou-se, de um canto do ringue, o PT como defensor das políticas sociais, das camadas menos favorecidas da sofrida população brasileira. Do outro, o PSDB como representante das forças do mercado, insensíveis às questões sociais. Nada mais tolo.
     O mercado, o capitalismo (se é que esse nome ainda é válido) precisa de consumidores para se mover. Precisa de quem compre o que os setores da indústria e serviços oferecem. Sem consumidores, não haveria capitalismo. Quanto pessoas de camadas mais pobres da pirâmide social ascendem a degraus maiores, o mercado agradece. Afinal, com mais gente comprando, a máquina do dinheiro permanece girando, os lucros engordam, o mercado agradece.
     Coube ao presidente Itamar Franco dar o primeiro e decisivo passo para a ampliar a inclusão social brasileira ao avalizar o Plano Real, coordenado por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. O Plano Real debelou uma inflação até então sem controle, que devorava impiedosamente os rendimentos das classes mais baixas, que não têm mecanismos de defesa do salário - as classes mais altas podem aplicar o dinheiro em investimentos que tenham boa rentabilidade.
     FHC deu também os primeiros passos para a criação de uma rede efetiva de proteção social no país, ao lançar uma série de "vales", como o vale-gás e outros. Lançou, ainda, as bases da política monetária no Brasil, fincada no tripé de controle da inflação, banda cambial flutuante e superávit primário. Esse foi seu legado.
     O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que sucedeu a FHC, não foi o presidente da ruptura com a política monetária estabelecida por seu antecessor, tal como queriam alguns setores mais duros do PT. Pelo contrário: Lula, sabiamente, fez questão de mantê-la. Colocou um banqueiro, Henrique Meirelles, no Banco Central (BC), como guardião da política monetária. O que era Meirelles? Um homem de confiança do mercado. Não tocou nas privatizações feitas por FHC, embora no discurso o PT seja contra elas (ou era). E consolidou a rede de proteção social no Bolsa Família. O resultado é que o país ganhou a confiança de investidores e a economia cresceu. Com a inflação sob controle, Lula também pôde implantar uma política de ganhos reais para o salário mínimo. O resultado, como sabemos, é que cerca de 30 milhões de pessoas ingressaram no mercado de consumo - e o mercado, por sua parte, agradeceu satisfeito.
     Com a inflação domada, o consumidor pôde planejar gastos. Foi às compras. Os bancos ofereceram crédito. Surgiu o crédito consignado. A indústria automobilística também ofereceu crédito e ganhou subsídios generosos. Nunca antes na história desse país os bancos ganharam tanto dinheiro como no governo Lula - e graças à nova classe média, aos mais pobres. Nunca antes na história desse país vendeu-se tanto carro. A aliança entre novos consumidores e mercado foi um sucesso.
     É simples: mercado gosta de consumidor com dinheiro no bolso. Ampliar a classe média é o sonho dourado do mercado, e não somente de um governo, ainda que esse governo carregue um viés "socialista". Viu como é simples?
     Não há divergência econômica entre o que FHC começou e Lula ampliou. Pelo contrário, há uma afinidade intensa. Tão intensa que ambos poderiam estar no mesmo partido. A diferença entre PT e PSDB é que o PT nasceu do sindicalismo e manteve ali sólidas bandeiras fincadas, a um custo político alto. Lula é um político extremamente pragmático. Manteve o discurso que convêm ao PT, mas conservou praticamente todo o legado de FHC. Por isso, ganhou uma estátua em Washington. Se tivesse rompido com o legado de FHC e guinado o país à esquerda, teria ganhado uma estátua em Cuba. Ou na Venezuela.
     A presidente Dilma Rousseff, sucessora de Lula e pré-candidata à reeleição pelo PT, tem um viés mais estatal do que seu mentor. Sua gestão foi marcada por um maior intervencionismo na economia. Mas acabou rendendo-se também ao mercado ao perceber que o Estado não é capaz de fazer tudo sozinho. Chamou a iniciativa privada para tocar e gerir obras de infraestrutura. Chamou o capital. Seu desafio agora é controlar a inflação para evitar que 10 milhões de brasileiros, que acabaram de subir para a classe C, caiam novamente para a D.
     Na verdade, seja qual for o próximo presidente da República, seja ele do PT ou do PSDB, terá de seguir a cartilha econômica do mercado para não afundar o país - que, por sinal, já está parando, como mostraram os últimos dados do Produto Interno Bruto (PIB). No primeiro trimestre do ano, o crescimento da economia foi de praticamente zero - ou 0,2%, para ser mais exato. As famílias deixaram de consumir. O mercado está preocupado. E quer um gestor que continue o legado de FHC e Lula.
     Resumo da ópera: é falsa a crença de que existe um governo mais preocupado com o social e outro mais preocupado com o mercado. O mercado depende do social, assim como o social depende do mercado.
     O que há, de fato, são discursos tolos, que evocam falsas ideologias. Conversa para boi dormir.
   
   
   
   
   

sábado, 31 de maio de 2014

Forças e fraquezas

     A última pesquisa da Vox Populi sobre as eleições estaduais, realizada em maio, que apontaram índice de intenção de voto de 29% em Fernando Pimentel (PT) e de 16% para Pimenta da Veiga (PSDB), tem alguns dados interessantes, que mostram forças e fraquezas dos dois pré-candidatos ao governo de Minas.
     A região onde Pimentel é mais forte é a classificada na pesquisa como Noroeste/Norte de Minas, onde o petista alcança 38% dos votos. Vale lembrar que trata-se de uma região onde a força do Bolsa Família, principal programa social do governo federal, comandado pela presidente Dilma Rousseff (PT), é mais visível. Não por acaso, é a região onde Pimenta é mais fraco, com 12% das intenções de voto. Em contrapartida, o pré-candidato do PT é fraco no Sul/Sudoeste, região desenvolvida, onde o Bolsa Família não provoca tanto impacto. E é ali que Pimenta da Veiga é mais forte, com 21% das intenções de voto.
     Na Grande BH, Pimentel alcança 34% das intenções de voto, ante 13% de Pimenta. Na capital, o petista fica com 32%, ante 17% do tucano. Estão aí dois trunfos de Pimentel: a força do Bolsa Família e o recall de seu nome junto ao eleitorado da Grande BH.
     A pesquisa mostra que Pimenta da Veiga também terá que lidar com outro fator perigoso: dos 16% que afirmam que pretendem votar no tucano, apenas 9% são compostos por jovens. Adultos somam 18% e maduros, 24%. A relação é inversa com Pimentel: dos 29% que pretendem votar no pré-candidato do PT, 32% são formados por jovens. Adultos respondem por 28%, e maduros, por 26%. Pimenta terá que descobrir uma fórmula para penetrar no público jovem, capaz de decidir uma eleição.
     Mas a pesquisa também traz um dado que pode ser um trunfo para o tucano: 72% dos entrevistados disseram estar satisfeitos por morar em Minas Gerais. É um índice significativo. O tucano terá de descobrir como capitalizar, para si, esse dado.
     Outros dados curiosos: quando Júlio Delgado (PSB) entra na pesquisa, tanto Pimenta quanto Pimentel perdem um ponto percentual das intenções de voto.
     No quesito rejeição, o petista lidera, com 9%. Pimenta fica com 6%.
     A força do Bolsa Família também aparece na eleição presidencial. Embora Aécio lidere em Minas, com 43% das intenções de voto ante 31% da presidente Dilma, o tucano perde para a petista no Noroeste/Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha. No Norte/Noroeste, a diferença é grande: 55% a 26% para a presidente. No Jequitinhonha, o "placar" é de 44% a 37%.
     Quem está tranquilo em todo esse cenário é o ex-governador Antonio Anastasia (PSDB). Ele tem 56% das intenções de voto para o Senado. Reina soberano na disputa. O empresário Josué Gomes da Silva (PMDB), filho do ex-vice-presidente José Alencar, tem 10%.
     Como se sabe, pesquisas são apenas um retrato do momento político - e a campanha ainda nem começou. Mas saber quais são os pontos fracos e fortes é sempre importante para colocar o barco no rumo certo.
     E, por falar em eleição, o governador Alberto Pinto Coelho (PP), ligado ao grupo político de Aécio, continua com agenda de candidato.  

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Ainda há mais para ser roubado

     Joana Havelange (foto), neta de João Havelange e filha de Ricardo Teixeira (ex-presidente da CBF) e integrante do Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo, disse, numa rede social, que o que tinha que ser "roubado" na organização da Copa "já foi gasto, roubado". E que ela vai, a partir de agora, torcer pelo sucesso da Copa no Brasil, e do Brasil na Copa.
     Não, Joana. Há mais a ser roubado no Brasil. Uma licitação aqui, outra acolá. Uma obra cheia de aditivos que, estimada em milhões, vira bilhões. Um negócio mal feito no exterior, que dá bilhões de prejuízos a uma estatal que é dos brasileiros. A verba da merenda escolar. Um estádio inteiro para  um time de futebol. Licitações fraudulentas na saúde. Obras de infraestrutura que viram ralo de dinheiro público. Tráfico de influência. A esperança do povo brasileiro num país ético e justo. Sim, sempre há mais o que roubar. Esse é um país generoso.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Construindo Pimenta

     A propaganda eleitoral que foi ao ar recentemente do Partido Progressista (PP), que em Minas apoia o PSDB e, em Brasília, o Palácio do Planalto, deixa clara a tarefa prioritária e primordial dos coordenadores da campanha de Pimenta da Veiga (PSDB) ao governo do estado: construir a imagem do candidato.
     Uma das missões da propaganda, claramente, é mostrar para o eleitor que Pimenta da Veiga faz parte do grupo político do senador Aécio Neves (pré-candidato do PSDB à presidência da República), do ex-governador Antonio Anastasia (candidato ao Senado), do presidente da Assembleia Legislativa, Dinis Pinheiro (vice na chapa de Pimenta) e do atual governador, Alberto Pinto Coelho (PP). Ou seja, a missão da campanha, nesta etapa, é colocar um pedigree em Pimenta, que, após ser ministro das Comunicações no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), afastou-se da política e do eleitorado. É identificar Pimenta como integrante do grupo aecista, que controla Minas Gerais há mais de uma década. É mostrar que Pimenta não é apenas um "poste", um nome surgido do nada, embora seu recall com o eleitor esteja bastante defasado.
     É a esse grupo que Pimenta deve os 16% das intenções de voto segundo pesquisa Vox Populi divulgada ontem, ante os 29% do oponente, Fernando Pimentel, do PT.
     Ainda tem água demais para correr sob essa ponte. O grupo de Aécio precisa intensificar a consolidação da imagem de Pimenta, tarefa que se estenderá campanha adentro. Os 16% que declararam intenção de voto no tucano estão simplesmente ressaltando apoio ao grupo que está no poder em Minas há tanto tempo. Sozinho, o nome "Pimenta da Veiga" não significa muito para a maior parte do eleitorado. Mas infla quando é associado a Aécio, Anastasia, Dinis e Alberto, como faz a propaganda do PP.
     A tarefa de Pimentel é menos difícil. Além de ter o recall de sua recente administração de Belo Horizonte (bem avaliada), ele foi, até pouco tempo, ministro do Desenvolvimento do governo Dilma. Mas aí também pode residir uma armadilha para o petista: o governo Dilma não foi exatamente uma benção para Minas Gerais. Obras sempre prometidas, como metrô, Anel Rodoviário e duplicação da 381 ainda não saíram do papel. Por mais que Dilma distribua tratores a prefeitos, seu governo (e o do presidente Lula) deixaram a desejar em relação a Minas, embora tenham sido pródigos e generosos com governos de estados aliados.
     Que o digam o Rio de Janeiro e Pernambuco (hoje, o governador pernambucano Eduardo Campos, do PSB, integra a oposição e é também pré-candidato à Presidência). A boa avaliação de Campos em Pernambuco deve-se, em grande parte, à mão amiga do ex-presidente Lula: o estado ganhou uma refinaria da Petrobras (aliás, em outro aparente de "erro" da estatal, já que a obra está saindo por um preço bem mais alto que o original), um porto moderno e uma parte da Fiat Automóveis - essa, num último gesto de bondade de Lula, já no apagar das luzes de seu governo, e que irritou profundamente o tucanato mineiro.
     Pimentel também está preso em outro nó: não pode bater demais no PSDB, já que aliou-se a Aécio Neves na eleição do prefeito de BH, Márcio Lacerda. É sempre complicado explicar ao eleitor porque o amigo de antes virou o adversário de agora. E, cá entre nós, sua foto ao lado do ex-governador Newton Cardoso (PMDB), divulgada nas redes sociais nos últimos dias, também não ajuda muito. Erro estratégico de campanha, com impacto ainda desconhecido.
     A diferença entre Pimentel e Pimenta na pesquisa ainda é grande - o petista tem praticamente o dobro. E teremos uma campanha curta, já que a Copa do Mundo monopolizará as atenções dos brasileiros (para o bem e para o mal) até meados de julho.
      É certo que Pimenta ainda vai crescer. Tem apresentado um discurso mais agressivo em relação ao PT e está ao lado de um grupo bem avaliado pelos mineiros. Pimentel precisa ajustar seu foco, evitar erros desnecessários e fugir das arapucas tucanas e das trapalhadas do governo Dilma, principalmente no campo econômico. Será uma campanha nacionalizada, já que é de Minas o principal candidato das oposições ao Palácio do Planalto. Será uma campanha de padrinhos: Pimenta tem Aécio; Pimentel, Lula e Dilma. Os dois pré-candidatos têm grandes desafios à frente.
       
     
   

segunda-feira, 26 de maio de 2014

O "fantasma" apareceu

     O "fantasma" do passado, também conhecido como possível retrocesso econômico, levado ao ar em recentes propagandas eleitorais do PT, já bateu na porta dos brasileiros. Ironicamente, a culpa é do próprio governo do PT. Matéria publicada em O Globo mostra que, segundo pesquisa do instituto Data Popular (realizada a pedido do jornal), a inflação já devorou, nos últimos 12 meses, R$ 73,4 bilhões da recém-formada classe média brasileira, a classe C, que tem vencimentos mensais entre R$ 1,2 a R$ 4,2 mil. Ou seja, a alta dos preços (ou a perda do poder aquisitivo da moeda, que é a inflação) já corroeu em um ano R$ 73,4 bilhões da nova classe média, que mal provou o gostinho de ser classe média. Para a Corretora Gradual, das 108 milhões de pessoas que compõem a classe C, cerca de 10 milhões já estão na porta para retornar à classe D.
     Alguma surpresa nisso? Não. Por que? Porquê todo mundo sabe que é isso que faz a inflação: ela corrói o poder aquisitivo das pessoas, principalmente da classe média e dos mais pobres. A inflação é perversa com a economia e ainda mais perversa com as camadas sociais mais baixas, que não têm como aplicar dinheiro em investimentos para proteger-se da inflação, como fazem as camadas mais altas.
     Por que a inflação está alta? Um dos motivos é o excesso de gastos do governo - ou gastos ineficientes. Como o governo gasta muito, precisa se endividar e lançar papéis no mercado. Para isso, é obrigado a emitir mais dinheiro. E isso gera inflação.
     O governo brasileiro tem gastado muito com uma máquina administrativa pesada, gorda e profundamente ineficiente. E, do ponto de vista ideológico, acredita que um pouco de inflação não faz mal a ninguém. Que é melhor crescer com inflação do que não crescer nada. Bom, o Data Popular está mostrando que inflação faz mal - e muito. E, pior: o Brasil não está crescendo (a perspectiva para esse ano é de um aumento de 1,5% do Produto Interno Bruto-PIB). Ou seja: o país não está crescendo, parou de gerar empregos qualificados e a inflação alta está empurrando a classe C de volta para a D.
     Como tudo que é ruim pode piorar, o Banco Central (BC) deve elevar os juros novamente na reunião do Copom essa semana para tentar combater a inflação. Juro alto é um remédio amargo contra a inflação, que poderia ser evitado se o governo controlasse seus gastos. Teremos então um quadro de juros altos, inflação ainda alta, economia com crescimento pífio, consumidores, investidores e empresários desconfiados e sem vontade de gastar ou investir. Ainda não é o fim do mundo, mas é um quadro complicado.
     Não se brinca com inflação. Quem viveu nos anos 1980 lembra como era ter uma inflação de 80% ao mês (é isso mesmo, 80% ao mês). Sucessivos planos econômicos para controlar a inflação geraram perdas e dor na população (quem não se lembra de pessoas se suicidando no Plano Collor, que confiscou a poupança?). E fracassaram. Até que um mineiro, o presidente Itamar Franco, lançou o Plano Real há exatos 20 anos, controlando, por fim, o fantasma inflacionário. Que agora, aos poucos, está voltando.
     O Brasil vive um momento singular. O país está em transe. Uma nova classe média, que sentiu o gostinho do consumo, pode ter de voltar para o andar de baixo. Esse, sim, é o fantasma real do país. Esse é o fantasma que cabe ao governo combater. Mas tudo ficará mais difícil se, ao invés de tomar medidas reais para colocar o fantasma de volta na geladeira, o governo preferir continuar brincando de inflação e de fantasmas imaginários.
     Há um bonde da história passando nesse exato momento na economia global. A Europa começa a se recuperar da crise que a abateu em 2008. Os Estados Unidos estão em recuperação e apostam em novas energias (como o gás de xisto), inovação e pesquisas. A Índia, que sempre se mostrou ao mundo com a face da miséria, tem agora um rosto marcado pela excelência tecnológica. Alguns dos grandes empreendedores do mundo (como a Mittal, maior grupo siderúrgico do mundo, que no Brasil comprou a Belgo-Mineira) estão lá. O "Vale do Silício" indiano tem revelado nomes importantes para a inovação tecnológica. A Coréia do Sul deixou uma situação econômica semelhante à do Brasil há algumas décadas e investiu em educação de qualidade. Hoje, é uma potência em tecnologia.
     E o Brasil? Onde vamos entrar nesse bonde? Vamos continuar implorando aos chineses que tragam dinheiro para cá para investir em infraestrutura? Vamos entrar mesmo no bonde? Ou vamos continuar caçando fantasmas?
   
     

sexta-feira, 23 de maio de 2014

É a confiança, estúpido!

     O Brasil tem indicadores econômico para todos os tipo e gostos. Mas um, em especial, divulgado hoje (23 de maio) mostra um dos motivos pelos quais a economia brasileira está parando. O  Índice de Confiança do Consumidor (ICC), divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) recuou 3,3% de abril para maio, ao passar de 106,3 para 102,8 pontos, o menor nível desde abril de 2009 (99,7). Com tal resultado, o índice manteve-se abaixo da média histórica, de 116,4 pontos, pelo 16º mês consecutivo.
     Segundo a FGV, os consumidores “continuam pouco satisfeitos com a situação atual e pessimistas em relação aos rumos da economia nos próximos meses”. O Índice da Situação Atual (ISA) caiur 3,9%, para 107,2 pontos, o menor desde maio de 2009 (103,0). Já o Índice de Expectativas (IE) recuou pelo sexto mês seguido, caindo 2,9%, para 100,6 pontos – também o mais baixo desde março de 2009 (97,6).
     A FGV também constatou queda de 3,8% no indicador que mede o grau de satisfação dos consumidores com a situação financeira pessoal, que passou de 109,3 para 105,1 pontos – o menor nível desde agosto de 2009 (104,9). A proporção de consumidores que avaliam a situação como boa diminuiu de 22,5% para 19,2%, enquanto a dos que a julgam ruim aumentou de 13,2% para 14,1%.
     Ainda segundo a FGV, a preocupação dos consumidores com o orçamento doméstico se estende para os próximos meses. “O indicador que mede o grau de otimismo em relação à situação financeira familiar foi o quesito que mais influenciou a queda do ICC no mês”, informa a fundação, em nota divulgada à imprensa. Ao cair 3,4%, para 124,7 pontos, o indicador atinge o menor nível desde fevereiro de 2010 (124). A parcela de consumidores projetando melhora caiu de 35,6% para 32,0%; a dos que preveem piora subiu de 6,5% para 7,3%.
     Na prática, esses números reforçam o que vem sendo dito nesse blog. A confiança é uma das principais mola da economia. Existe uma economia calçada em fatos reais, e outra, calçada em perspectivas, sensações, confiança (ou falta de). Há no país uma sensação estranha, como se estivéssemos todos à espera de uma bomba-relógio.
     Na eleição presidencial, o candidato que atrair e conquistar a confiança do consumidor (e dos eleitores), que conseguir apresentar um projeto de país viável e melhor - e, com ele, despertar novamente confiança no futuro - ficará bem na fita. O marqueteiro do ex-presidente americano Bill Clinton cunhou uma frase lapidar para explicar o que faz um candidato vencer uma eleição: "É a economia, estúpido". Pode-se dizer que também "é a confiança, estúpido".


quarta-feira, 21 de maio de 2014

Lanterna na proa

     A economia, aqui e em qualquer lugar do mundo, é movida por fatores reais (renda, consumo, produção, investimentos) e também por elementos nem tão palpáveis. O principal elemento "não palpável" é a confiança.
     Ela, a confiança, é fundamental para movimentar a roda da fortuna. Um consumidor confiante vai às compras porque sabe que terá como pagar. Um investidor confiante vai ao mercado porque sabe que terá retorno de seu investimento. Um empresário expande sua fábrica porque confia na expansão do mercado. Quando não há confiança, nem consumidores, nem investidores e nem empresários enfiam a mão no bolso. O resultado é que a economia para.
     A economia brasileira está parando. Os dados de geração de emprego divulgados hoje pelo Ministério do Trabalho mostram que tivemos o pior abril em 15 anos, com a geração de 105,4 mil postos de trabalho. Em abril do ano passado, foram 197 mil.
     O IPCA-15, também divulgado hoje, mostra que a inflação continua alta. O índice mostrou leve elevação, de 0,58%, em relação ao último levantamento, mas nos últimos 12 meses acumula alta de 6,31%. O consumidor sabe que alguns produtos ou serviços tiveram altas de até 10% nos últimos meses. A inflação corrói o salário e diminui o poder de compra do trabalhador. Com menos dinheiro, compra-se menos e sobe a inadimplência, já que fica mais difícil pagar as dívidas. Analistas acreditam que o Brasil vá crescer apenas 1,5% este ano. É muito pouco para um país de tanto potencial.
     A falta de confiança na economia é, sem dúvida, um combustível poderoso neste cenário. Ninguém sabe o que está por vir. Não se vê qualquer movimentação do governo na área econômica. Não há uma política industrial definida para o país. Os produtos importados continuam chegando, desestimulando a indústria nacional. Hoje, compra-se roupas da China diretamente da China, em sites especializados. O preço é menor e o produto chega à sua casa. Setores importantes, como o mercado imobiliário e a indústria automotiva, estão pisando no freio. A GM anunciou férias coletivas hoje. O país está sem lenço e sem documento. Sem rumo. O país está assustado.
     Não é segredo para ninguém que o Brasil cresceu nos últimos anos baseado no aumento do salário mínimo e programas sociais, que geraram consumo. Com o consumo, os setores de comércio e serviço aqueceram a economia e geraram empregos. Ok. Esse modelo foi eficiente até mesmo para blindar parcialmente o país da crise mundial de 2008. Mas faltou a segunda parte: investir pesado em infraestrutura, reduzir carga tributária (o brasileiro trabalha quatro meses no ano somente para pagar impostos) e impulsionar a indústria nacional. Resultado: o modelo esgotou-se, as pessoas se endividaram e o país parou de crescer. Para complicar, a inflação voltou.
     Pergunte a alguém do governo qual é a política econômica do Brasil. Provavelmente, ninguém saberá responder. Simplesmente porque não existe política econômica. Sem política econômica, as empresas se sentem inseguras para investir. Falta confiança. O capital, que não gosta de riscos, some. Investidores saem do Brasil para aplicar em lugares mais amigáveis. Por incrível que pareça, até o México hoje parece mais atraente para investidores do que o Brasil.
     Conclusão: confiança no futuro é capital para a economia. Quando se olha à frente, para as perspectivas do Brasil, ninguém sabe exatamente o que vai aparecer. Temos uma Copa do Mundo que gerou custos elevados (e ainda mal explicados) e cujo legado não será suficiente para compensar os mais de R$ 10 bilhões gastos com estádios. Venderam o paraíso em 2007 e estão entregando um inferno em 2014. A Copa vai fazer a economia parar durante um mês, e provavelmente teremos pesadas manifestações populares. Depois, vem a eleição, e aí nada mais funcionará mesmo - nem Congresso, nem governos.
     O Brasil é hoje uma casa desarrumada, cujos habitantes estão desconfiados em relação ao futuro e indignados com a corrupção e ausência de serviços públicos de qualidade. As grandes empresas, como Vale e Petrobras, também frearam investimentos. Estamos num barco sem rumo. Precisamos, com urgência, de uma lanterna na proa.

Crédito da foto: www.forwallpapper.com