quarta-feira, 4 de junho de 2014

Falso dilema

     Há um falso dilema na política brasileira. Quase coisa de amador. Mas bem manipulado por políticos profissionais.
     Colocou-se, de um canto do ringue, o PT como defensor das políticas sociais, das camadas menos favorecidas da sofrida população brasileira. Do outro, o PSDB como representante das forças do mercado, insensíveis às questões sociais. Nada mais tolo.
     O mercado, o capitalismo (se é que esse nome ainda é válido) precisa de consumidores para se mover. Precisa de quem compre o que os setores da indústria e serviços oferecem. Sem consumidores, não haveria capitalismo. Quanto pessoas de camadas mais pobres da pirâmide social ascendem a degraus maiores, o mercado agradece. Afinal, com mais gente comprando, a máquina do dinheiro permanece girando, os lucros engordam, o mercado agradece.
     Coube ao presidente Itamar Franco dar o primeiro e decisivo passo para a ampliar a inclusão social brasileira ao avalizar o Plano Real, coordenado por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. O Plano Real debelou uma inflação até então sem controle, que devorava impiedosamente os rendimentos das classes mais baixas, que não têm mecanismos de defesa do salário - as classes mais altas podem aplicar o dinheiro em investimentos que tenham boa rentabilidade.
     FHC deu também os primeiros passos para a criação de uma rede efetiva de proteção social no país, ao lançar uma série de "vales", como o vale-gás e outros. Lançou, ainda, as bases da política monetária no Brasil, fincada no tripé de controle da inflação, banda cambial flutuante e superávit primário. Esse foi seu legado.
     O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que sucedeu a FHC, não foi o presidente da ruptura com a política monetária estabelecida por seu antecessor, tal como queriam alguns setores mais duros do PT. Pelo contrário: Lula, sabiamente, fez questão de mantê-la. Colocou um banqueiro, Henrique Meirelles, no Banco Central (BC), como guardião da política monetária. O que era Meirelles? Um homem de confiança do mercado. Não tocou nas privatizações feitas por FHC, embora no discurso o PT seja contra elas (ou era). E consolidou a rede de proteção social no Bolsa Família. O resultado é que o país ganhou a confiança de investidores e a economia cresceu. Com a inflação sob controle, Lula também pôde implantar uma política de ganhos reais para o salário mínimo. O resultado, como sabemos, é que cerca de 30 milhões de pessoas ingressaram no mercado de consumo - e o mercado, por sua parte, agradeceu satisfeito.
     Com a inflação domada, o consumidor pôde planejar gastos. Foi às compras. Os bancos ofereceram crédito. Surgiu o crédito consignado. A indústria automobilística também ofereceu crédito e ganhou subsídios generosos. Nunca antes na história desse país os bancos ganharam tanto dinheiro como no governo Lula - e graças à nova classe média, aos mais pobres. Nunca antes na história desse país vendeu-se tanto carro. A aliança entre novos consumidores e mercado foi um sucesso.
     É simples: mercado gosta de consumidor com dinheiro no bolso. Ampliar a classe média é o sonho dourado do mercado, e não somente de um governo, ainda que esse governo carregue um viés "socialista". Viu como é simples?
     Não há divergência econômica entre o que FHC começou e Lula ampliou. Pelo contrário, há uma afinidade intensa. Tão intensa que ambos poderiam estar no mesmo partido. A diferença entre PT e PSDB é que o PT nasceu do sindicalismo e manteve ali sólidas bandeiras fincadas, a um custo político alto. Lula é um político extremamente pragmático. Manteve o discurso que convêm ao PT, mas conservou praticamente todo o legado de FHC. Por isso, ganhou uma estátua em Washington. Se tivesse rompido com o legado de FHC e guinado o país à esquerda, teria ganhado uma estátua em Cuba. Ou na Venezuela.
     A presidente Dilma Rousseff, sucessora de Lula e pré-candidata à reeleição pelo PT, tem um viés mais estatal do que seu mentor. Sua gestão foi marcada por um maior intervencionismo na economia. Mas acabou rendendo-se também ao mercado ao perceber que o Estado não é capaz de fazer tudo sozinho. Chamou a iniciativa privada para tocar e gerir obras de infraestrutura. Chamou o capital. Seu desafio agora é controlar a inflação para evitar que 10 milhões de brasileiros, que acabaram de subir para a classe C, caiam novamente para a D.
     Na verdade, seja qual for o próximo presidente da República, seja ele do PT ou do PSDB, terá de seguir a cartilha econômica do mercado para não afundar o país - que, por sinal, já está parando, como mostraram os últimos dados do Produto Interno Bruto (PIB). No primeiro trimestre do ano, o crescimento da economia foi de praticamente zero - ou 0,2%, para ser mais exato. As famílias deixaram de consumir. O mercado está preocupado. E quer um gestor que continue o legado de FHC e Lula.
     Resumo da ópera: é falsa a crença de que existe um governo mais preocupado com o social e outro mais preocupado com o mercado. O mercado depende do social, assim como o social depende do mercado.
     O que há, de fato, são discursos tolos, que evocam falsas ideologias. Conversa para boi dormir.
   
   
   
   
   

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