segunda-feira, 9 de junho de 2014

É o bolso, Lula!

     O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) perguntou recentemente qual seria o motivo de o crédito do país estar travado, já que não existe inflação de demanda. Com o crédito travado, o consumidor compra menos e o país quase não cresce. É ruim para a economia. E o que é ruim para a economia é ruim para candidatos da situação - ou, no caso, a presidente Dilma Rousseff, candidata de Lula e do PT à reeleição.
      A resposta à pergunta de Lula é relativamente simples. É o bolso, Lula. O bolso do cidadão. O bolso do brasileiro tem menos dinheiro.
     Crédito é bom, mas é apenas um dos pilares para o bom funcionamento da economia. Há outros pilares igualmente fundamentais, como controle da inflação, gastos governamentais sob controle, juros racionais, uma indústria competitiva, que consegue vender, exportar e gerar empregos qualificados, uma agropecuária vigorosa e um setor de serviços e comércio ativo.
     Um raio-X do bolso do brasileiro agora mostra que ele está sem crédito e sem confiança na economia. A inadimplência (ou, em português curto e grosso, o calote), subiu 9,56% em maio na comparação com o mesmo mês de 2013, segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Na comparação com abril deste ano, o calote subiu 1,38%. Segundo o SPC, 55 milhões de brasileiros estão negativados. Ou seja, um quarto da população brasileira está negativada e não pode tomar crédito. Cara, é um número alto demais. Como chegamos a isso?
     É o bê-a-bá da economia: não existe almoço grátis. Se alguém almoçou de graça, é porquê algum otário pagou a conta. Os brasileiros se entupiram de crédito bancário, crédito consignado, crédito para comprar carro. A conta chegou.
     A situação seria menos dolorosa se a economia tivesse sido bem gerida nos últimos quatro anos. Não foi. A inflação está de volta e pode estourar o teto máximo esse ano, de 6,5%. Inflação alta significa corrosão no salário do trabalhador. O dinheiro que ele tem no bolso passa a valer menos sem que ele tenha gasto um único centavo. Com poder de compra menor, ele não consegue pagar as contas em dia. Se ele não paga as contas, a inadimplência sobe. Se a a inadimplência sobe, os bancos ficam mais restritivos na hora de conceder crédito. Com menos crédito, o consumidor consome menos. Com menos consumo, indústria e comércio vendem menos. Com vendas em baixa, aparece o desemprego, como já está aparecendo na indústria de bens de capital e de automóveis. E a economia vai parando. Lógica pura. Sem mágica, sem almoço grátis. É o bolso, presidente Lula.
     Junte-se uma situação econômica cheia de incertezas com a insatisfação da população com os serviços públicos. O resultado é a má avaliação do governo da presidente Dilma Rousseff, como acaba de ser registrado em pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha. No jogo entre Brasil e Sérvia, realizado ontem (domingo), parte dos torcedores gritava "Fora Dilma". A presidente consegue reverter tal quadro?
     Sim, desde que saiba ouvir a população, fazer a leitura correta do que está acontecendo e agir. Mas a presidente Dilma tem mostrado uma certa dificuldade em agir em cenários de dificuldades. Falta-lhe assessores de primeira grandeza. Falta-lhe um bom ministro da Fazenda, que tenha pelo menos credibilidade junto ao mercado. Falta-lhe um bom interlocutor com a classe política e com a sociedade.
     Dilma está paralisada. Limita-se a percorrer o país, entregar tratores a prefeitos e falar de obras que não saíram do papel, como o Anel Rodoviário, a duplicação da Rodovia da Morte, o eterno metrô de BH, a transposição do rio São Francisco, as obras de mobilidade urbana para a Copa, os aeroportos que nem puxadinho terão. A seu lado - e apenas no plano federal - apenas o PMDB de Michel Temer. E que não se espere lealdade do PMDB. O PMDB é leal apenas ao poder.
     Em contrapartida, o principal candidato das oposições, o senador Aécio Neves (PSDB) é mestre na arte de negociar. Fez o mestrado com seu avô, Tancredo Neves, que conseguiu a proeza de derrotar Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, antes das eleições diretas para presidente, ainda no tempo do governo militar. Por ironia, na eleição que fez de Tancredo, que era oposicionista, presidente do Brasil, o PT negou-se a votar no mineiro, por não tratar-se um uma eleição com participação popular. E, mais ironia ainda, Maluf hoje é aliado do PT.
     Aécio tem negociado. A base de apoio do candidato do PSDB ao governo de Minas, Pimenta da Veiga, tem cerca de duas dezenas de partidos. A própria base de apoio de Aécio para sua candidatura presidencial vai, aos poucos, alargando-se. O tucano é líder disparado nas pesquisas em Minas. Tem o apoio do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e da base do partido naquele estado, que é o maior colégio eleitoral do país (Minas é o segundo). E está trazendo, para seu campo, o governador do Rio de Janeiro, Pezão, do PMDB.
     Nas pesquisas, Dilma ainda tem o dobro das intenções de voto de Aécio. Mas tem enfrentado uma queda gradativa, fruto direto da insatisfação do eleitor. Nas eleições anteriores, o PT enfrentou candidatos que não tinham vocação para negociar, como Serra e Alckmin. Agora, enfrenta uma raposa política mineira.
     A queda de Dilma pode ser revertida. O país vai parar para a Copa do Mundo. Dilma deve estar preparada para o que vier daí. Terá que dar respostas rápidas e precisas para o eleitor (coisa que ainda não conseguiu fazer).
     Terá que anunciar medidas de alívio para o bolso do consumidor, e que afetem positivamente sua vida. Não adianta apenas flexibilizar as condições de crédito. Negativado, o consumidor não poderá fazer novos empréstimos mesmo que queira (e parece que ele não quer). A presidente terá que ser dura com a inflação e, simultaneamente, anunciar pacotes que facilitem a negociação de dívidas pendentes do consumidor com bancos, crédito consignado, crédito imobiliário. Estamos falando da vida de um quarto da população brasileira.
     Não é bom negócio para o governo quando eleitores com a corda no pescoço vão às urnas. É o bolso, presidente Lula.
     
   

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