segunda-feira, 16 de junho de 2014

Asfixia

     Há um motivo pouco falado quando se observa a atual estagnação da economia brasileira.
     Como se sabe, o modelo econômico adotado nos últimos anos privilegiou o consumo, através da concessão de crédito fácil (e algumas invenções brasileiras, como o crédito consignado), programas sociais e aumentos reais do salário mínimo.
     O brasileiro adorou. Entupiu-se de crédito e foi às compras. Mas não existe almoço grátis. Com a volta da inflação, perdeu poder de compra. E, com os juros altos e o fim da alta do emprego, as prestações não couberam mais no salário. Resultado: hoje existem 55 milhões de brasileiros com o nome sujo no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). É um quarto da população. E parte da nova classe média está prestes a virar classe D novamente. Por isso (e outros motivos estruturais), a economia está parada.
     Essa é a parte conhecida.
     O que pouca gente fala é nas armadilhas criadas pelas mãos nada generosas de quem concede crédito: os bancos.
     Com o fim da inflação, possível graças ao Plano Real do presidente Itamar Franco, os bancos pararam de ganhar dinheiro fácil. Antes, bastava deixar a grana sossegada no mercado financeiro, que rendia juros astronômicos da noite para o dia - o tal do overnight. O fim da inflação foi o fim da farra. Os bancos tinham de descobrir outro jeito fácil de ganhar dinheiro. Acharam: o crédito à uma parte da população que nunca havia tido crédito.
     Ok, em qualquer lugar do mundo bancos ganham dinheiro com crédito. E qualquer país que queira crescer de forma inclusiva precisa bancarizar a população.
     Mas, no Brasil, abusaram da malandragem. Criaram uma teia maligna e perversa para os devedores. Incautos e com pouco conhecimento do mundo do crédito, muitos caíram na teia, ou na forca, e estão lá até hoje.
     Há exemplos clássicos. Compre um carro em 60 parcelas. E, se conseguir juntar dinheiro, tente pagar tudo de uma vez, com desconto, sem os juros cobrados pelo banco pelo tempo de empréstimo. Você não vai conseguir. Os bancos não aceitam.
     Faça um empréstimo imobiliário e, quando juntar dinheiro, tente pagar o saldo devedor com desconto, sem os juros. Você também não vai conseguir. Eles, os donos do dinheiro, não aceitam. Por quê? Porque perderiam os juros, que é onde ganham dinheiro. Muito dinheiro. Nunca antes na história desse país os bancos ganharam tanto dinheiro, mesmo com a crise internacional de 2008.
     Faça um empréstimo pessoa física e depois siga o mesmo procedimento: tente pagar de uma vez, sem os juros, tiver juntado grana suficiente para isso. De novo, você não vai conseguir. Porque eles não vão aceitar.
     Não são poucos os casos onde empréstimos para pessoa física são renovados ou aumentados via telefone, pelo seu gerente ou alguém de menor patente. O brasileiro aceita. Renova um empréstimo bancário na base da palavra. Não assina sequer um papel, o que torna o empréstimo, no mínimo, ilegal. Mas fica por isso mesmo. Ah. Alguns bancos estatais, do Brasil, são mestres nesse tipo de operação. Aliás, a palavra certa não é operação. É cilada.
     O caso do crédito consignado seria motivo de prisão em qualquer país sério.
     Sim, há bancos sérios atuando no setor. Minas tem bons exemplos. Não dá para generalizar. Mas também tem muito picareta.
     Entenda-se por picareta agentes bancários que ligam para você e oferecem a parte boa da cilada, que é o dinheiro. Mas não falam da parte da cilada que é a cilada: você nunca mais vai conseguir pagar o tal crédito, porque esses picaretas o renovam automaticamente, sem sua autorização. E ainda te oferecem mais. É como oferecer crack a viciados.
     Já tem gente dando crédito para os negativados, que vão ficar mais negativados ainda.
     Tem bandido oferecendo crédito nos jornais, todos os dias. Trata-se de golpe criminoso, mas ninguém faz nada.
     O Banco Central (BC) controla de perto a saúde dos bancos brasileiros. Há diversos mecanismos para isso. Essa é outra razão pela qual a crise de 2008 praticamente não afetou os bancos brasileiros. Eles estão vendendo saúde - às suas custas.
     Talvez, durante a campanha presidencial, alguém tenha a boa ideia de pensar no pobre bolso do brasileiro e propor uma regulamentação rígida para concessão de crédito. Uma regulamentação que permita ao devedor quitar sua dívida sem juros quando quiser. Que puna quem renovar crédito sem a assinatura do devedor. Que controle as taxas de juros indecentes cobradas pelos bancos. Que coloque na cadeia quem abusar da boa-fé do brasileiro. Mas aí já é pedir demais. Ok, esqueça essa última parte e voltemos ao Brasil real.
     O BC controla a saúde dos bancos. Precisamos agora de quem controle a saúde dos brasileiros endividados pelos bancos, que estão morrendo por asfixia, com a corda no pescoço.O próprio BC poderia cumprir esse papel, mas não há interesse político. Nenhum governo, mesmo os que se dizem socialistas, gostam de cutucar banqueiro.
     Ao pobre consumidor enforcado, resta a Justiça.
     Enquanto o brasileiro não se acostumar com o crédito, continuará na forca. Enquanto não souber de seus direitos, continuará asfixiado. Enquanto não houver uma regulamentação mais rígida a favor do tomador de crédito, a farra dos bancos vai continuar. Até que todo seu - sim, o seu - sangue tenha se exaurido ralo abaixo.
     Aí, os pobres bancos terão que achar outra maneira de ganhar dinheiro fácil.
     Mas não se preocupe.
     Eles encontrarão.
    Salve, Nossa Senhora dos Enforcados.
     

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